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quinta-feira, 4 de maio de 2017

A “neutralidade” científica



Há nos corredores sub-acadêmicos que penetram os meios “científicos” a crença divinal na “neutralidade científica. Mas, tudo que permeia a sociedade humana, em tempo, torna-se passível de ideologia. Ou seja, a “desideologização” do ser é a ideologia consagrada dominante nas reuniões eclesiásticas das pastorais estudantis.

Isso porque nas crises a ideologia dominante tende a sofrer significativas modificações, apresentando inclusive algumas temáticas e questões a primeira vista “revolucionárias” (exemplos: crítica do “crescimento econômico” ou das “instituições estatais/burguesas”). Apesar dos exemplos dessas modificações dizerem respeito, a precariedade no pressuposto vazio da “interpretação” e não na modificação da realidade, engendra um total descompasso e recortes teóricos (pois não se adequam à realidade).

Pois, sabido seja, desde Weber (com seus “tipos ideais”), Florestan Fernandes (quando dizia que “Não há neutralidade possível: ou se deve escolher o lado dos explorados ou dos exploradores”), etc. A “neutralidade” é apenas um conteúdo raso chave para a ideologia burguesa, perpassando, obviamente, nas ciências naturais, tal se passa na totalidade “[...] com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito e o conduzem até o fim” (Marx: Prefácio de 59 – O Capital).

Convém salientar o que ocorre na intencionalidade de fazer ciência “neutra” (olha que nem o sabão neutro é neutro), com a fachada do “racionalismo” (um racionalismo formal decadente), Lukács nos dirá algo pontualmente importante:

“Dessa concepção-lógico-gnosiológica da legalidade das conexões e dos processos factuais, decorre a imagem do mundo que se costuma chamar de racionalista, encarnada nas diversas épocas por numerosas filosofias importantes e muito influentes. Mas, qualquer que seja a sua formulação, essa racionalidade oniabrangente contradiz o fundamento ontológico de todo ser, que tivemos a intenção de pôr em evidência: a estrutura heterogênea da realidade, da qual deriva a impossibilidade última de eliminar o acaso das inter-relações entre os momentos de um complexo e entre complexos e a necessidade de relacionar fatos simplesmente dados (com frequência, como no caso das constantes, não racionalizáveis depois) e a racionalidade concreta de conexões determinadas.” (LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 364)

À ciência moderna burguesa vê a sociedade humana parcelada em fatos sociais ou esferas isoladas. Nessa arbitrariedade, fica carente o caráter objetivo e só resta a justificativa da “neutralidade”. Deste modo, até mesmo “dados científicos” muitas vezes já são pré-condicionados perante o investigador, onde temos o posicionamento combatido pelos pressupostos tacanhos, [...] Como, porém, a cientificidade moderna rejeita inteiramente a perspectiva de classe, vale a pena enfatizar o seu caráter absolutamente não-eliminável. Independente de ser admitida conscientemente, e mesmo quando explicitamente rejeitada, ela sempre intervém no processo de conhecimento, pois não pode haver neutralidade axiológica numa sociedade perpassada pelo antagonismo das classes sociais. A própria rejeição da interferência do ponto de vista de classe já é uma tomada de posição a partir de um determinado ponto de vista, não por acaso, o da classe burguesa” (TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. p. 107-111).

O campo da objetividade científica fica vetado e empobrecido por essa razão formal, isto é, o miserável racionalismo da decadência preocupa-se principalmente em estabelecer “limites” para o conhecimento entre o sujeito e o objeto; enquanto a filosofia clássica era preponderantemente ontológica, preocupada com o conteúdo objetivo do mundo. E o agnosticismo decadente pretende-se simples epistemologia de análise formal dos “limites do conhecimento” (tipo a “aposta de Pascal” versão Séc. XXI).

A razão formal, em suma, deixa de ser a imagem legal objetiva da totalidade real, passando a confundir-se com as regras formais – apriorísticas – e que “sugerem” um ceticismo tão ruim quando ao “racionalismo” sem objetividade dentro da realidade tal como é de fato. Aí fica como a tela do PC pedindo para formatar o sistema e o usuário fica “neutro” para ver se dá OK ou fecha a janela.

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